sábado, 28 de maio de 2011

Perspectiva

Estava sentada, olhando fixamente o altar da igrejinha. Lindas flores e rosas adornavam cada canto da capela. Um tapete vermelho no corredor com algumas pétalas brancas espalhadas. Ela estava no primeiro banco. Tinha em suas mãos um lindo arranjo de rosas vermelhas que contrastava com seu vestido branco. Lágrimas manchavam a seda pura que a vestia. Ela ainda buscava lá dentro, alguma reação que a fizesse sair daquele lugar, depois da cerimônia desastrosa na qual seu noivo a tinha deixado momentos antes, sem qualquer explicação. Respirar estava difícil. A dor emanava dela de forma incontrolável. Banhava cada espaço de seus pensamentos com amargura. Ele simplesmente a deixara ali. Depois da cena, alguns convidados vieram ter com ela, consolando-a. Ela simplesmente se sentou. Depois de inúmeras tentativas de seus parentes de a levarem embora, todos se deram conta que o melhor era ir embora. Ela ainda ouviu um garotinho reclamando baixo, que não haveria mais festa. Minutos passados então e ela estava só. A pequena capela ficava á beira de uma rodovia, no meio do nada. Tinha sido construída pelo bisavô do homem que a abandonara no altar. Como algo assim poderia ter acontecido? Naquela manhã, tudo eram certeza e felicidade. As cores faziam algum sentido. A seda, as músicas, as pétalas faziam sentido. Agora tudo era cinza e triste. Tudo era um borrão, distorcido. E não faziam sentido. Após algum tempo, levantou-se. Vagueou pelos cantos da capela. Fez orações, pediu força. Pegou as flores deixou sobre o altar. E então fez o que mais ninguém podia fazer por ela. Decidiu.
Vestiu seu bolero de renda, para se proteger do frio que fazia e caminhou no sentido contrário do corredor, sem olhar para trás. Percebeu que fantasiar era bom, mas só na medida certa. E que ter os pés no chão agora era essencial. Com o dorso da mão, enxugou as últimas lágrimas que escorreram. Sujou suas luvas com a maquiagem e pela vidraça, viu que seu rosto também era um borrão imperfeito e sem vida. Só que o que a movia agora era a própria expressão no rosto. Era a fisionomia de quem tinha decidido. Abriu a porta da Igreja, que rangeu vertiginosamente. A estrada estava deserta. Era a hora do crepúsculo. O céu também era um borrão e não fazia sentido algum. Começou então a andar. Não sabia para onde, nem porque fazia aquilo, mas ela já tinha decidido. No fundo ela sabia. O encostamento era ladeado de cascalho. Retirou então seus sapatos de salto fino, e jogou-os longe. Fez o mesmo com os arranjos no cabelo e então continuou a caminhar. Ainda se sentia pesada de amargura, mas algo havia mudado desde que se levantara do banco. Resolveu que não fazia mais sentido pensar nele e em tudo que acontecera, embora a dor estivesse ali. Viu então aquele coelho branco no meio da estrada, segurando o mesmo relógio de bolso e com seu colete elegante. Sua expressão era preocupada, parecia aflito. Ela então se aproximou dele, e em tom de solidariedade, e sussurrou:


─ Não adianta ficar desse jeito, é só se decidir. Vai ficar mais leve.

Os olhos dele estavam fixos nos dela. Ele então se levantou, jogou fora o relógio e correu pelas terras que a estrada cortava. Ela então continuou andando, recusando-se a ficar triste de novo. Gotas de chuva começavam a cair. Começou então a sorrir, pois cada gota de chuva que caía, levava um pouco das coisas ruins que tentavam consumi-la. Então deu um rodopio de felicidade, depois outro e mais um, logo estava gargalhando. Estava leve de novo. Saiu dançando pela estrada deserta, seu vestido acompanhava o ritmo do corpo. Então ela parou. Á sua frente, uma velha de aparência grotesca, segurava uma cesta cheia de maçãs. Seu manto negro a protegia da água. A velha sorriu maliciosamente para ela e ofereceu uma maçã.

─ Não preciso disso. Eu já me decidi.

Então a velha largou a cesta no chão e comeu a própria maçã. Ela então já ia andando, mas deu uma olhadela rápida com o canto do olho, o suficiente para vera velha caída no chão. Depois de algumas horas andando na chuva, ela finalmente avistou um carro estacionado. Correu até ele e observou que sobre o capô tinha uma caixinha dourada. Ao abri-la, encontrou em seu interior as chaves que a levariam para longe dali. Destrancou a porta do carro, colocou a chave na ignição e estava pronta para ir, antes deu uma última olhada pelo retrovisor e percebeu o quanto tinha deixado para trás. Ficou feliz, pois tinha se decidido. Tinha se decidido a não mais sofrer pelo que não podia ser desfeito, e mais feliz ainda por não ter entrado no mundo de fantasias com o coelho, a fim de esquecer seus problemas e tampouco usado de venenos para finalizar sua dor. A chuva resolvera tudo por ela. Lavara cada pedaço da sua alma. Ela estava pronta para prosseguir, pois sabia que, para uma alma solitária, ela ainda teria bons momentos.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Irreal realidade

Todos os dias ela acordava com uma profunda tristeza em seu coração. Acordar era seu grande problema. Após abrir os olhos, ficava um pouco mais, fitando as telhas do quarto, agarrando-se a cada segundo de seu sonho feliz. Quando então percebia que já não podia mais se demorar ali, levantava-se e encarava outro dia. O sol ainda estava nascendo, o céu mesclado com as cores da noite que ia e com as cores da manhã que logo chegaria ali. Havia pessoas na casa, mas era como se estivesse só. Ela sempre se sentia só. Era mais um triste dia de trabalho. Deu alguns passos em direção ao banheiro. Sempre que entrava no cubículo, abria seu armário, pegava suas coisas e escovava os dentes. Sempre de olhos fechados. Não que quisesse dormir mais, era só para não ter de ficar de frente para a própria imagem refletida no espelho. Não gostava de espelhos. Eles eram juízes impiedosos, que sempre a acusavam, sentenciando-a toda vez que o encarava. Seus olhos tinham a mesma cor dos olhos de alguém que ela não conheceu, seus cabelos eram escuros; ela os preferia assim. Não era bonita. Simplesmente não se encaixava em lugar nenhum. Depois de um banho e de alguns minutos se preparando, ela saiu de casa pronta para mais um dia. Ainda se lembrando da linda moça, talvez da mesma idade da sua, correndo pelas ruas chuvosas de um lugar que sempre quisera visitar. Ela ia ao encontro de um homem sorridente. Ela corria até chegar onde ele estava. Seus cabelos iam a onde o vento os empurrava. Ele estendia sua mão na direção que ela vinha, até que ela pudesse tocá-la. Então, agarrada ao braço do rapaz, eles saiam juntos caminhando, felizes, conversando algo que ela não podia ouvir. Toda vez, era um sonho diferente, mas sempre os mesmos personagens desconhecidos. Ao contrário dos seus dias, sempre iguais. Já estava no mesmo assento do ônibus que todos os dias a levava para o trabalho. Revirava a bolsa a procura de seus fones de ouvido. Até as músicas já a aborreciam. Sempre as mesmas. Não sabia nem dizer o porquê não renovava suas listas de música. Ela ia então observando as ruas conhecidas, imaginando como seria se sua vida fosse diferente. Se fosse outra pessoa, em um lugar distante, e feliz. Como a moça do sonho. Sua vida beirava a melancolia. Ás vezes, sentada ali, ela pensava no absurdo que era a sua existência. Era doloroso demais ficar só, mesmo depois de tanto tempo. Nunca tinha tempo para outra coisa, do que seus pensamentos. Depois de um longo dia cansativo e solitário, voltava para casa. Ela podia ver as pessoas ao seu redor, mas era como se não existissem. Era como se fossem pinturas se movimentando nas paredes ao seu redor. Borrões, nada mais que isso. O que sabia era que estava sozinha e sempre estaria. Sua única companhia era o vazio imenso que a cobria. Não sentia gosto ao comer, prazer ao beber, os livros que tinha estavam todos em branco. Os ponteiros do relógio nunca saíam do lugar. Até que sempre chegava aquela parte do dia em que tudo desmoronava. Ela se deitava então, e chorava convulsivamente, até que esbarrava na beirada da cama. Então algo como um vazio começava a sugá-la e ela não via como fazer para impedir de ser arrastada para o nada. De repente ela estava no vácuo, e então, não estava mais, não existia mais. Depois o impacto.

Giulia, você está bem? ─ Perguntou ele ao me acordar com uma expressão preocupada.
─ Estou sim, foi só aquele sonho outra vez. ¬─ Falei olhando o relógio. Eram 4:35 da manhã.
─ O sonho com a garota do ônibus? ─ Perguntou ele confuso
─ Esse, mesmo. Sempre o mesmo. Ela sonhou conosco outra vez...